terça-feira, 13 de setembro de 2011

"Obras como ’1822′, de Laurentino Gomes, não educam, desinformam, mas encontram espaços nos meios de comunicação”, diz professora da USP


O livro 1822 desconsidera investigações e questionamentos que há mais de 30 anos vêm sendo desenvolvidos e divulgados por centenas de pesquisadores brasileiros e portugueses sobre o tema da Independência, dos quais resultaram não só profunda ampliação dos conhecimentos sobre a época como a superação de interpretações correntes.


Dedicado a “professores de História no seu trabalho anônimo de explicar as raízes de um país sem memória”, o livro banaliza a versão mais conservadora e simplificada das complexas circunstâncias nas quais foram delineadas a separação de Portugal e a fundação do Império do Brasil. O fio condutor da narrativa é, aparentemente, a vida de D. Pedro. Entretanto, para fazer uma “reportagem” e contar como o Brasil conseguiu “manter a integridade de seu território e se firmar como nação independente”, o autor se fundamentou em duas premissas: para ele, a Independência foi produto de “sorte, acaso, improvisação”, pois a desorganização interna era tamanha que só um “milagre” faria “dar certo” um país “que tinha tudo para dar errado”; desta forma, as decisões cruciais só poderiam ser tomadas por estrangeiros e portugueses -uma princesa austríaca, um militar mercenário inglês, D. Pedro, os deputados das Cortes em Lisboa e um “homem sábio”, José Bonifácio, inspirado pelos padrões europeus. Como o próprio autor afirma, o livro é um “mosaico” de personagens e episódios, mas não está livre de equívocos: na cronologia, por exemplo, 12 de outubro de 1823 aparece como data do fechamento da Assembleia Constituinte pelo imperador, quando o correto é I2 de novembro.


Os capítulos não formam propositadamente uma sequência, havendo idas e vindas no tempo e no espaço, e, além disso, a composição do texto pressupõe que a História seja um grande depósito de dados, que o observador arrebanha como quer, e com eles monta um tabuleiro manipulando fragmentos e dando-Ihes a fisionomia que considerar mais adequada ou palatável. A “técnica jornalística” que o autor diz adotar, contudo, não o inocenta do partido que tomou. O enredo apresentado – desmentido por obras que ele mesmo cita e pela literatura atualmente disponível -sugere que o voluntarismo de indivíduos comanda a História, que a sociedade brasileira, tanto no passado quanto no presente, é incapaz de se autogovernar, e que ainda estão por nascer o povo e a nação brasileiros. Edições como esta disparam, sobretudo, um alerta: não educam, desinformam, são conformistas e encontram espaço nos meios de comunicação.


CECÍLIA HELENA DE SALLES OLIVEIRA É DIRETORA DO MUSEU PAULISTA E PROFESSORA DA USP.


Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 6, n° 62, novembro de 2010. p. 92.

Um comentário:

Unknown disse...

Professor já é sabido que nem tudo que é famoso e faz sucesso significa que seja bom. Entendi a critica feita ao livro, mas só um tolo lê isso e acredita em tudo que esta contido nele, acho que a critica deve se focar na força que ele faz tornar aquilo real. Pois se ele cita obras da reais especialistas, afinal jornalista não estuda Historia, pelo menos como formação.

Esse deve ser o foco, e não se faz sucesso ou não. O cara é jornalista e não historiador, ao que me consta tudo que ele escrever é “achismo”.